09 julho, 2008

Porque a minha vida não é um teatro

Se minha vida fosse um teatro as coisas seriam bem mais fáceis. Eu poderia ser belo e perfeito. Seria cercado por pessoas facilmente compreensíveis, e as cenas da vida teriam um sentido e um significado muito claro. Tudo o que eu quisesse que fosse dito, seria dito. Todos os sentimentos seriam expressados. A vida faria mais sentido e seria mais "assistível". Sim, "assistível". Digo isto porque, se alguém assistir a fita da minha vida, provavelmente não irá entender bulhufas, sendo ela um exemplo de vida pouco "assistível". É que muita coisa é interna. Muita coisa fica só no sentimento, no pensamento.

Se minha vida fosse um teatro eu poderia dizer, com tanta facilidade, "Eu te amo", "Eu te odeio"... É que a persona tem licensa para amar, odiar e viver intensamente. Ela precisa disso, pois seu período de vida é curto, e precisa ser interessante nesse curto momento, nessa curta existência. Eu não. Estou fadado a viver uma longa vida medíocre, amando medíocremente, odiando medíocremente, vivendo medíocremente.

Eu vivo medíocremente porque não dá pra todo momento ser belo. Como destacar o belo, se tudo o mais já o é? Nada como a fome para se apreciar a comida e nada como o trabalho para se aproveitar o descanso. O belo, o prazer, o feliz deve ser fugaz. É nesse ponto que as coisas se complicam.

Penso que devo necessariamente sofrer para aprender o que é alegria, e que devo necessariamente odiar para aprender a amar.

Quando o médico me deu um tapa na bundinha, aprendi o que é dor, e o que é o grito. Depois, aprendi o que são braços que seguram e amparam. De lá pra cá, tomei vários capotes, escorreguei várias vezes, me machuquei muito fisicamente. Até hoje, o meu corpo se lembra disso, sabe disso. Essa é a memória que meu corpo trás. Ela é vizível, externa.

Mas possuo outras memórias. Já amei muito e sei que já fui amado. Já brinquei, diverti, fui feliz. Já cantei, pulei, rodei, amarelei, contei, joguei. E isso traz em mim outras coisas. Convivi com várias pessoas, e cada uma delas deixou uma cicatriz em mim. Elas me marcaram com frases, maneiras, feições, personalidades. Isso criou em mim uma outra memória, emocional. Eu sou isto o que sou hoje, por causa de tudo o que foi comigo ontem.

E a minha vida não é um teatro. Se ela fosse, seria muito simples. Simples demais. Não haveria a aflição do desconhecido, o desespero do vacilo, a incerteza do talvez. Não haveria espaço para quem eu fui, e isto seria um desrespeito à todas as pessoas que passaram por mim e deram a sua contribuição à minha vida.

Não é, e não quero que seja. O fracasso total de um dia não é de todo ruim, pois será a base de futuras decisões, possivelmente mais acertadas. A dor, o sofrimento, a angústia não são em vão. Desde que eu esteja em contato comigo mesmo, e saiba escutar a minha própria voz, a voz das antigas decisões que moldarão as novas.

Se minha vida fosse um teatro, um dia as cortinas fechariam e o personagem não teria mais razão pra existir. No palco, a persona é bela, mas, nos bastidores, revela-se que era apenas montes de trapos velhos.

A despeito de todas as intempéres da vida, continuo vivo. As cortinas não fecharam e não tenho script para seguir. A peça da minha vida, como um todo, pode não fazer sentido até o presente momento, e talvez nunca faça. Mas, posso me gabar ante minha terrível arte de improvisar diante dos acontecimentos inusitados que a vida me proporcionou.

E ai de quem, por algum motivo que seja, deseje escrever a peça da minha vida. Esse cometerá um pecado terrível se retirar, por 1 minuto que seja, das minhas noites sem dormir, da minhas tarefas maçantes, dos meus momentos mais desinteressantes. Porque, creio eu, a beleza de todos os outros momentos dependem, inexplicavelmente, desses.

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